Um Tremendão sessentão e seus fãs

Novos parceiros declaram amor a Erasmo Carlos, que chega aos 60 anos

Marco Antonio Barbosa
04/06/2001
As seis décadas de vida do Rei Roberto Carlos mereceram salvas de canhão da mídia e loas incondicionais de meio mundo, no último mês de abril. Espera-se que tenha sobrado um espacinho no inconsciente coletivo para comemorar os mesmos 60 anos de outro "Carlos", neste dia 5 de junho: Erasmo Esteves, mais conhecido como Erasmo Carlos. Seria muito injusto que não houvesse esse espaço - afinal, mais do que "o amigo de fé, irmão camarada" de Roberto e onipresença nos créditos das canções do Rei, EC é, como poucos artistas (ou nenhum), um símbolo vivo da história do rock brasileiro. Em seus mais de 40 anos de carreira, Erasmo nunca ficou limitado à sombra de Roberto: trilhou seu caminho, deu cabeçadas, teve altos e baixos e chegou a amargar um relativo ostracismo. Tudo para manter-se fiel à sua concepção particular de música, que partiu do iê iê iê tupiniquim da Jovem Guarda, passou pelo flerte com o samba-rock, raspou no tropicalismo, trombou no romântico - e acabou, mesmo com todas essas mudanças, virando mais ou menos um sinônimo de roqueiro brazuca na cabeça do povo.

Mais do que isso, o Tremendão também influenciou gerações sucessivas de artistas pop brasileiros. Mesmo se queixando (como em recentes entrevistas para lançar seu último CD) de que os mais novos nem sabem quem ele é, o fato é que Erasmo surge, aos 60 anos, como um exemplo de integridade artística e vontade de inovação para seus pares. Artistas de musicalidade completamente antípoda a de Erasmo o respeitam e se dizem influenciados por ele. Prova disso é a "rapaziada" da qual o cantor agora se cerca.

Erasmo chega aos 60 bem: acaba de lançar o álbum Pra Falar de Amor amostras de 30s, seu primeiro disco de composições novas desde 1992. E como que para confirmar a moral de que desfruta ainda hoje, arregimentou um time de respeito de compositores para fornecer o material inédito do álbum, que era um ponto de honra para ele. "Não iria nem botar o pé no estúdio para gravar se não fosse um disco só de inéditas. Eu estava louco para voltar às rádios com uma música nova", declarou. E não faltaram músicas novas no disco. Marisa Monte, Carlinhos Brown, Marcelo Camelo (dos Los Hermanos), Kiko Zambianchi e Dalto forneceram canções para Pra Falar de Amor, todos evidentemente orgulhosos de darem a little help para a volta do amigo-de-fé-irmão-camarada.

"Ele ainda é um menino, aos 60 anos. E as músicas dele me trazem lembranças muito boas, de todas as fases da minha vida... canto as músicas de Roberto e Erasmo desde que eu era criança", conta Marisa Monte, que compôs para o disco novo Mais Um na Multidão amostras de 30s (junto a Carlinhos Brown). "Ouvi-lo e falar com ele sempre foi uma emoção para mim. E essa parceria entre nós surgiu quando ele foi assistir a um show meu, no ano passado... perdi a vergonha e disse que queria fazer uma música com ele. Cantar com ele, então, seria um sonho! Achei que tudo iria ficar por isso mesmo, mas ele acabou me mandando uma demo da música em CD, me pedindo para finalizá-la. Fiquei emocionada quando ele me chamou para cantar e participar do processo do disco", lembra a cantora.

É aí que entra também o afro-baiano Carlinhos Brown, outro que não nega sua admiração pela obra do "parceiro mais famoso do Brasil". "Erasmo é que é o verdadeiro Rei. Ele tem uma trajetória artística e pessoal invejável, pura coerência. Ele deveria ser um espelho para quem quer chegar aos 60 anos na ativa musicalmente", afirma Brown. E há algo de Erasmo na música do autor de Alfagamabetizado? "Ele não é uma referência direta, consciente, em meu som. Mas é impossível ser brasileiro, fazer música e não ter tido contato com a obra de Erasmo. Você acaba pegando no ar", explica o baiano, que escreveu a letra de Mais Um na Multidão no começo deste ano.

"A geração dele - mais que isso, principalmente ele mesmo - foi responsável por trazer o rock para o Brasil. A importância do Erasmo para a música brasileira é enorme", fala Marcelo Camelo, o autor da faixa-título de Pra Falar de Amor amostras de 30s. "Mandei a música para ele sem pretensão alguma, e quando fiquei sabendo que ele gostou, e que ia incluir no disco, fiquei extremamente lisonjeado. Foi uma grande honra para mim, e algo muito surpreendente também. É muito estranho ficar tão próximo de feras como ele, principalmente quando se imagina que esse mundo distante, para mim, é supersério. E não é", acredita Camelo.

 "Costumo fazer minhas músicas numa língua inventada, para depois botar a letra e enviei para a Marisa sem nenhuma sugestão de título ou letra. Ela e Brown perceberam qual era o clima, e o resultado tem tudo a ver comigo e com a atmosfera desse novo disco", disse Erasmo sobre Mais Um na Multidão. Quanto à música de Camelo, Erasmo diz: "É mesmo a canção que simboliza o disco. O título é forte, uma coisa de abrir o coração e cantar. É uma balada atemporal".

Filho da geração anos 80 do rock brasileiro, Kiko Zambianchi - que entrou no álbum de Erasmo com O Impossível amostras de 30s- também faz questão de reverenciar o Tremendão. "A Jovem Guarda foi simplesmente o máximo, e o grande ícone do movimento foi o Erasmo. O mais legal foi que ele não parou no tempo, não ficou travado nos anos 60 nem se rendeu ao brega. Quem quiser pegar uma guitarra aqui no Brasil tem de admirá-lo", diz Kiko. "Ter uma música gravada por ele foi uma honra. Fiz O Impossível especialemente para ele, tem uma batida bem anos anos 60, meio Renato & Seus Blue Caps".

"Impossível" ou não, o Tremendão chega aos 60 querendo se reciclar. Abriu as porteiras da inspiração para novos parceiros, vai gravar com o grupo Casa do Balanço - expoente do novo samba-rock paulista -, planeja reeditar seus discos dos anos 60 e 70 e quer até mesmo fazer um site na Internet. E, como qualquer homem de 60 anos, também quer cuidar dos (três) netos. "As novas gerações não me conhecem mais. Mas isso vai mudar", declarou Erasmo, pronto para outros 60 anos.