Magazine: dos anos 80 para 2002, uma onda ainda nova

Grupo famoso por sucessos como Sou Boy resgata seu rock bem-humorado no álbum Na Honestidade

Marco Antonio Barbosa
14/03/2002
O novo Magazine (Foto de Debby Gramm)
(clique para ampliar)
Por muito tempo, o nome Magazine ficou na cabeça das pessoas - aquelas que viveram o pop brazuca dos anos 80 - como uma hilária e cada vez mais distante lembrança. Um tempo em que a new wave aportava por aqui devidamente tupiniquizada como "niuéive", um breve período no qual (entre o estouro da Blitz e a ascenção de grupos "sérios" como o Legião Urbana e o RPM) não era pecado fazer rock com humor e descontração. Para aqueles que ainda retêm essas memórias, e para os néofitos também, boa notícia: o retorno do Magazine acaba de se concretizar em disco. O polivalente Kid Vinil e sua banda lançam agora Na Honestidade (Trama), fruto em CD da reunião do Magazine, que voltou à ativa em 1998. É hora de conferir se a wave continua new, ou se já quebrou na praia.

"Os anos 80 estão em alta, não só aqui, mas lá fora também. Está havendo todo um movimento de resgate de sons e grupos daquela época. O que é ótimo, pois foi uma era legal, um momento muito forte", diz Antônio Senofonte, o polivalente (jornalista, executivo de gravadora e VJ, além de cantor e compositor) Kid Vinil. Ele se refere à enxurrada de bandas da década de 80 que retornaram com bastante força nos últimos anos - o grande exemplo sendo o Capital Inicial, que vive sua fase de maior sucesso agora. Kid tece considerações: "O Ultraje a Rigor já voltou várias vezes, tendo sempre um retorno positivo. Agora vai ter o RPM também, não sei como vai ser... Nós já estávamos tocando antes desse estouro todo, então veio bem a calhar." Em sua primeira encarnação, o Magazine conseguiu ser recorde de execução nacional em rádios FM, com seu primeiro sucesso Sou Boy (1983). Seguiram-se mais hits, como Tic-tic Nervoso e Comeu, e apenas um LP, Magazine (1983), antes da dissolução, em 1985. O bom-humor das letras era um dos diferenciais do grupo, lembra Kid. "Tínhamos um humor leve, sem apelar para o escracho. Era um 'humor new wave'", fala, rindo o vocalista. Mesmo associado à tal "ueive", o Magazine acabou compondo também a tradição do pop brasileiro bem-humorado. "Isso já vem desde o Joelho de Porco, que inclusive deu muita força para o Magazine no começo da banda. Acabamos fazendo parte desta 'cena' do humor musical. Hoje, bandas novas como o Bidê ou Balde e o Video Hits (ambas de Porto Alegre) se dizem influenciadas pelo nosso som", conta Kid.

Na Honestidade retoma basicamente o som que o Magazine fazia nos anos 80. "Nunca levamos 'o som da moda' em consideração na hora de compor. Nossas referências continuam sendo o punk rock e a new wave, o rockabilly e o rock de garagem. Reciclamos isso de um jeito brasileiro", fala Kid. O novo/velho som do Magazine se encontra bem atualizado em músicas como Flanelinha, Strogonoff da Princesa e Nonsense Total. Bem-vindos reforços no repertório são Conversível Irresistível, composta por Roger Moreira (Ultraje a Rigor) e Boeing 723897, do Joelho de Porco. Famoso por ser um ávido colecionador de discos e pesquisador musical dos mais ecléticos, Kid Vinil conta que tem de "segurar" seus ímpetos na hora de ensaiar com o Magazine. "Os sons mais de vanguarda que eu ouço ficam em casa. Eu faço altas restrições a mim mesmo quando componho; nunca vou sugerir que o Magazine faça um disco eletrônico, por exemplo, apesar de gostar e ouvir techno e outras coisas similares", fala o vocalista.

Outro dado que permanece igual é o humor - como sempre, observando maneirismos e tipos esdrúxulos do cotidiano urbano. Nas letras do novo disco sobram piadas em cima dos gaúchos (Bah!Velhinho), a mania de idolatrar ícones estrangeiros (Ele Quer Ser Inglês), a ganância (Na Honestidade) e até o maranhense Zeca Baleiro - que compôs em 1997 Kid Vinil e agora leva o troco no rockabilly que leva seu nome como título.

O novo CD marca a estréia em estúdio da nova formação do grupo. Apenas o baterista Trinkão vem da fase Sou Boy; o guitarrista Carlos Nishimya e o baixista Ayrton Mugnaini Jr., ambos figurinhas carimbadas do rock paulistano. Nishimya, o Carlão (ex-guitarrista do Maria Angélica, banda underground dos anos 80), é parceiro de Kid desde 1993, quando integrou o curto retorno do Verminose - o embrião do Magazine, que tocava punk rock. Mugnaini, que por sua vez era guitarrista do Verminose original (em 1980), entrou no Magazine em 1999, depois de se tornar uma lenda com seus estranhíssimos e hilários discos solo (como Alta Frivolidade ouvir 30s, de 2000). "O Carlão é um tremendo guitarrista e produtor, e ele acabou incorporando ao Magazine uma série de referências sonoras mais modernas. Já o Ayrton é uma figuraça, que veio somar na faceta mais engraçada da banda", conta Kid.

Várias das músicas de Na Honestidade foram compostas por Nishimya (Nonsense Total, Ele Quer Ser Inglês, Jogador, Marlene); Mugnaini contribuiu com seu próprio "clássico" Gorda, de 1992. Depois da entrada de Ayrton, o Magazine cogitou de lançar o disco com a nova formação de maneira independente, até que a Trama - gravadora na qual Kid Vinil dirige o setor de lançamentos internacionais - se interessou em bancar o álbum. "Nem dá para chamar de comeback esta volta do Magazine. Ao longo dos anos 90, a gente nunca deixou de se ver e de tocar junto. Mas ao mesmo tempo me sinto começando de novo", relembra Kid.

Neste contexto de revival da safra-80, não escapa a Kid a ironia do título do disco. Afinal, é um retorno honesto ou apenas mais uma carona oportunista na onda oitentona? "Esse título é uma faca de dois legumes", brinca o vocalista. "A música-título fala sobre um cara que 'vai vencer nem que seja na honestidade', como se ser honesto fosse o cúmulo do mau comportamento. Acho que o nosso novo álbum é, acima de tudo, um disco honesto." Kid exemplifica citando um caso ocorrido há algum tempo. "Tive propostas - de uma gravadora grande - para regravar Sou Boy com uma letra atualizada, falando de motoboys... cadê a honestidade?", pergunta ele.



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