Espírito Motown baixa em Sandra de Sá

A cantora faz versões de grandes sucessos da soul music norte-americana no álbum Pare, Olhe, Escute

Marco Antonio Barbosa
14/05/2002
Quando Sandra de Sá - então Sandra Sá, apenas - surgiu no horizonte da MPB há 21 anos, não faltou gente para apontá-la como a sucessora legítima do legado de Tim Maia na tradição da música black brasileira. Idas e vindas ocorridas nessas duas décadas e tanto de trabalho desviaram a cantora de sua raiz, originalmente embalada em muito soul e funk. É por isso que tanto os fãs de Sandra quanto os cultores da dita música preta devem bater palmas para o lançamento de Pare, Olhe, Escute (Universal Music), que repõe a intérprete de volta ao gênero em estilo de superprodução. "É o momento mais marcante de toda a minha carreira. Este é o disco que mostra tudo aquilo que eu sempre quis fazer", afirma a cantora.

A fonte na qual Sandra de Sá foi beber para preparar seu novo petardo foi a gravadora americana Motown, presente no subtítulo do álbum (Sandra de Sá Traduz os Sucessos da Motown) e no coração dos fãs de black music. A gravadora dos EUA foi responsável pelo lançamento dos maiores ¡cones do pop negro nos anos 60 e 70. Marvin Gaye, Diana Ross, Jackson Five, The Temptations, Stevie Wonder e The Commodores são apenas algumas das lendas reveladas por Berry Gordy Jr, fundador da Motown. E Pare, Olhe, Escute é composto por 12 versões em português de hits do selo. "Gravar Motown é importante para a música preta de todo o mundo", diz Sandra. "É preciso chamar a atenção não só para o som, mas também para a atitude", fala a cantora, referindo-se ao caráter pioneiro da gravadora - o primeiro empreendimento de sucesso no showbusiness americano criado e administrado exclusivamente por negros.

Apesar de toda a identificação óbvia de Sandra com o som da Motown, a idéia do disco não partiu dela. "Foi uma idéia do Max Pierre (vice-presidente artístico da Universal). Ele tinha a vontade de fazer este disco há anos, e finalmente chegou para mim e disse que além de mim, só mais uma pessoa no Brasil poderia gravar um projeto assim: Tim Maia", conta Sandra. "O Max me convidou justamente na época em que sa¡ da Warner", revela a cantora, que assinou um acordo prevendo três discos pela nova gravadora. "Nem hesitei na hora de aceitar a proposta. A música da Motown é algo que sempre esteve em minha vida. Ouvi desde pequena, nos bailes e programas de rádio de Big Boy e Ademir Lemos", fala a cantora.

Sandra de Sá fez questão de acompanhar todas as etapas do projeto junto a Max Pierre - da escolha do repertório às letras versadas para o português. "Foi doloroso escolher as músicas que entrariam no disco. Tem muita coisa boa, ouvimos mais de 300 sucessos!", lembra Sandra, que contou com a ajuda do produtor Dudu Marote e a empresária Adriana Milagres no processo. "Depois de ouvirmos, sempre quebrávamos o pau para decidir qual música entraria e qual sairia. Tive que me guiar pela emoção particular que cada uma me trazia."

As versões foram um capítulo a parte. "Recebemos várias e eu fiz as minhas também. Mas desde o início havia uma condição: a de que eu poderia mexer em todas as letras. Afinal, queria que tudo ficasse 100%", justifica Sandra. Por isso, apesar de contar com craques como Nelson Motta (que transformou What's Going On, de Marvin Gaye, em Qual É), Ronaldo Bastos (Nada Mais, versão de Lately, de Stevie Wonder, sucesso com Gal Costa em 1984) e Carlos Rennó (letrista de Eu e Você, versão para Cruisin', de Smokey Robinson), o disco tem a generosa participação de Sandra nos créditos - que co-assina 12 das dez faixas.

Generosas também são as participações especiais, que vão de Ed Motta - num dueto na faixa-título, versão para Stop, Look, Listen (Diana Ross & Marvin Gaye) - a Rappin'Hood, passando por Djavan (e seu filho Max Viana) e Ivo Meirelles. "São os crioulos, a galera que segura a música negra brasileira", explana Sandra. "No universo soul brasileiro, gente como o Ed e o Max representam o que há de melhor. É como eu digo em Se Liga, Brother: o suingue é a voz do Brasil", diz ela. Chama a atenção também a canja da testemunha ocular da história Smokey Robinson. Lenda viva do soul norte-americano, Smokey foi um dos fundadores da Motown e deixou incontáveis hits gravados por ele mesmo e gente como os Temptations e Gladys Knight. "Tinhamos decidido desde o início que iríamos gravar com um dos nomes originais da Motown. Foi lindo termos escolhido o Smokey. O clima das gravações foi ótimo, ele entrou totalmente no clima que queríamos evocar", diz Sandra, que gravou com Robinson (em Los Angeles) a faixa Eu e Você.

Por falar em clima das gravações, ecoaram dos estúdios nos quais Pare, Olhe, Escute foi gravado (entre meados do ano passado e o começo de 2002) rumores de conflitos entre a gravadora Universal e o produtor Dudu Marote. Contratado para tocar o projeto, Dudu foi afastado no meio do processo - segundo consta, porque os rumos que estava dando para o disco não eram comerciais o suficiente. "Foram desentendimentos absolutamente normais entre o Dudu e a Universal. Não houve conflito algum. Mesmo porque a palavra final sempre foi dada por mim e pelo Max (Pierre)", contemporiza Sandra. Acabou que, no resultado final, Junior Mendes é creditado como produtor e Dudu citado apenas como arranjador (junto a Lincoln Olivetti, Cláudio Mazza e Julinho Teixeira).