Emoção de Tom Zé é destaque do Abril Pro Rock

Baiano sofreu enfarte após show consagrador no Recife; leia aqui tudo sobre os três dias de festival

José Teles (Recife)
22/04/2002
A décima edição do Abril Pro Rock só não foi uma festa total, porque o baiano Tom Zé, depois do show mais aplaudido da noite de encerramento do festival, passou mal, foi levado às pressas para uma clínica, e constatou-se que ele sofreu um infarto. Os médicos recomendaram a internação do artista na CTI de uma clinica cardíaca, por 48 horas, para observação. Ele estava bem, depois de ser submetido a uma sessão de cateterismo.

Coube aos Psicopatas, um grupo de garotos (média de idade: 13 anos), a honra de abrir a décima edição do Abril Pro Rock, de 19 a 21 de abril, no pavilhão de exposição do Centro de Convenções, na divisa entre o Recife e Olinda. Foi uma noite de público fraco, em que a atração mais esperada foi a estréia da Rodox, a nova banda de Rodolfo, ex-Raimundos. Mas até a apresentação de Rodox , tocaram ainda, nos palcos principal e secundário, Os Subversivos (PE), The Mission (UK), e o Prot(o) (BR).

Os Subversivos é uma das novas bandas da cena musical recifense. Ela mostrou uma tendência que acontece na cidade: cada vez menos se ousam misturas de ritmos. O grupo faz punk rock, melodioso e energético, mas sem maiores novidades. Os Psicopatas, na sua adolescidade, idade de pedra e paz (apud:Acrílico, Caetano Veloso), foram bem mais interessantes. E o The Mission? Wayne Hussey hoje renega o rótulo de gótico que a banda carrega desde os idos de 1985 (quando surgiu de um racha do Sisters of Mercy). É, mas entram em palco todos a caráter, trajes negros, óculos escuros. Hussey, mas magro, sem o chapelão nem as melenas dos velhos tempos (cabelos curtos e ruivos). O som também mudou pouco. E não faz diferença para a grande maioria do público que estava ali, já foi dito, para ver Rodox, ou melhor Rodolfo.

Em seguida, o Prot(o) vai para o palco pequeno. O grupo tem canções legais, uma boa pegada. Conseguiu levantar um pouco a galera. Merece atenção das gravadoras. Bem burilado, o grupo tem tudo para dar certo. Mas os olheiros eram poucos, um dos poucos, Carlos Eduardo Miranda, do selo Matraca (ligado à Trama), testemunha ocular do primeiro Abril pro Rock.

E finalmente Rodox. O mais aguardado foi o melhor show da noite. Com uma banda que se utilizava de três guitarras (Tom Capone empunhava uma delas), a Rodox fez música para derrubar os muros de Jericó. Rodolfo, mais encorpado, não foi de proselitismo da religião que abraçou, passou algumas mensagens positivas, mas poucas. Desfiou as canções do primeiro disco sem os Raimundos ("Prefiro olhar para o futuro, porque do passado nem me lembro mais", vociferou logo no início da blitzkrieg sonora). Cover, apenas uma: Exodus, de Bob Marley. Uma versão pesadíssima. Tão pesada, que os fãs levantaram as mãos, e com o indicador e o mindinho em riste, agitavam os braços fazendo o tradicional símbolo satânico dos metaleiros da antiga, indiferentes ao novo caminho seguido pelo ídolo.

Entra o escracho do Textículos de Mary, revelado no APR passado, e com disco para sair pela Deck. Mescla de New York Dolls com Dzi Coquettes, o Textículos de Mary assume a androginia mais do que numa boa. Rebolam no palco, soltam a franga, só que desta vez com mais domínio de palco. Deram uma espécie de organizada no bacanal, ma non troppo. O grupo promete escandalizar os coros dos contentes, depois do CD lançado. Um show porrada e divertido.

E fechando a noite o pop/rock do Pato Fu. Deveriam ter invertido a ordem das apresentações. O Pato Fu entrando antes de Rodox. A banda mineira fez um show com a competência de sempre, mas, com pequenas variações, seguindo o mesmo roteiro da turnê Ruído Rosa. Os fãs ficaram até o final, mas era visível o cansaço no rosto das pessoas, que estavam ali desde as 20 horas. O show do Pato Fu poderia ter sido mais compacto. Terminou às duas da matina. Para alívio de todo mundo. Lá fora chovia forte. O metal peso pesado, do Krisiun, Sepultura e congêneres esperava a molecada na segunda noite do Abril Pro Rock.

No sábado, cerca de oito mil pessoas, o maior público dos três dias do APR, lotou o pavilhão para assistir à tradicional noite peso-pesado do festival. Passaram pelos dois palcos, o Decomposed God, banda pernambucana de death metal, com disco gravado e que canta em inglês, a Prole, e Os Cachorros, dois bons grupos de punk rock de PE. Ájax, vocalista de Os Cachorros, é um dos roqueiros mais carismáticos da cidade e ganha o público com um hit local, Puta que Pariu (sic). Já a banda argentina Attaque 77, desconhecida do público, agradou por seguir a linha Ramones - punk melodioso de dois a três minutos por canção. Um cover de Perfeição, do Legião Urbana, conquistou de vez a platéia. Um feito, já que todo mundo esperava mesmo era o Krisium e o Sepultura.

Muita gente abaixo dos 15 anos, muitas camisas pretas, e muita ansiedade para rever o Sepultura, que tem uma relação especial com a Cidade. Aqui o grupo fez suas primeiras turnês fora do Sudeste. Os gaúchos do Krisiun já entraram matando com Killing of Kings, daí em diante foi velocidade máxima até o último número. A banda confirmou que, no gênero, não é apenas uma das melhores do país, vai tornar-se uma das grandes da música metal mundial.

O Sepultura entrou com “gosto de gás”, para usar uma expressão pernambucana, e jogou para a torcida. Começaram com Troops of Doom, e seguiram com figurinhas carimbadas do seu já extenso repertório. Não esqueceram das canções de início de carreira, como Bestial Devastation, tocaram cover do Motorhead, ensaiaram Dazed and Confused, do Led Zeppelin. A galera delirou quando Alex, do Krisium, adentrou o palco e fez participação especial em Iron Fist. Apoteótico final com Roots (Bloody Roots).

O domingo foi uma noite light, ma non troppo. O set de Tom Zé foi o mais intenso dos três dias do APR, rara comunhão envolvendo platéia e artista. O Mombojó, estreante no festival, fez uma apresentação com muita personalidade, faz uma mistura de pop, samba, lembra um Mundo Livre S/A com outra temática, e outros ícones. Enquanto o primeiro cultua Ben Jor, o Mombojó vai de Nelson Cavaquinho. O pavilhão ainda não estava com todo público (cerca de seis mil pessoas, no domingo), quando Stephen Malkmus e banda começaram a tocar. Bote lo-fi nisso. Era como se estivesse passando o som. O ex-líder do Pavement passeou pelo repertório de seu primeiro álbum solo, algumas inéditas. Tudo muito básico, guitarras, baixo, bateria.

Bubuska, veterano surgido nos festivais globais de início dos anos 80, foi o próximo. Mostrou ousadia, pois além de hoje fazer poucos shows na cidade, enfrentou uma platéia que o desconhecia, na base de voz, violão, e percussão com um instrumento criado por ele, manejado com os pés. A banda do eu sozinho de Bubuska acabou conquistando o público. O Chá de Zabumba, banda recifense de forró pé-de-serra, ao vivo soa mais pesada, e botou para dançar a galera que se amontoava diante do palco secundário. Mais um grupo que poderia que as gravadoras poderiam embarcar na onda do forró universitário, e eles têm conhecimento de causa.

Tom Zé e o público pernambucano comungam de uma empatia rara. Grande parte dos que foram ao Centro de Convenções não se interessava em ver os gringos Malkmus ou Charlatans, encontravam-se ali pelo tropicalista de Irará. E ele não fez por menos. Apresentou um show de pouco mais de uma hora, compacto e intenso. Rasgou roupa, batucou em esmeril, cantou canções conhecidas, fez a platéia cantar junto, e saiu mais uma vez consagrado (como aconteceu na edição 1999 do APR). Não foi à toa que o coração de 66 anos de Tom Zé baqueou de emoção assim que acabou o show, enquanto ele era cumprimentado por amigos e fãs.

Uma das mais conceituadas bandas da cena mangue, o Grêmio Recreativo Bonsucesso Samba Clube tem um dos mais vigorosos show da cidade, mas o som embolado do segundo palco prejudicou o grupo, que merecia o palco maior. Mesmo assim a banda fez uma apresentação digna da fama. O Mundo Livre s/a entrou tirando um sarro nos pastores eletrônicos. Sem disco novo na praça, Fred 04 e cia mostraram canções conhecidas, com mais percussão e com pleno domínio do que estão fazendo. A Mundo Livre nem precisou de muito esforço para segurar a platéia. Algumas de suas canções já são clássicos entre o público pernambucano: Musa da Ilha Grande, Bolo de Ameixa, Free World S/A... Treme-Treme, versão de Shake All Over (versão do velho hit de Johnny Kid and the Pirates), botou a garotada para dançar adoidada.

E por fim os Charlatans. Um show vigoroso de uma banda com bastante anos de estrada para entender o que a platéia deseja, mesmo que essa platéia conheça pouco sua música. Wonderland , último disco do grupo, foi a base da apresentação , mas o grupo não deixou de lado antigos hits, como You’re Not Very Well, do álbum Some Friendly (1991). Tim Burgess, o vocalista, envolve-se com o que canta, e cria uma clima de cumplicidade com o público. Um show perfeito para encerrar os dez anos do mais longevo festival indie do país.