IMPACIÊNCIA

Para um país que já produziu um Afrociberdelia (Chico Science & Nação Zumbi), nada mais justo que o aparecimento deste Impaciência, álbum de estréia da banda Vulgue Tostoi, uma das maiores promessas do Rock Brasil, gestada no underground carioca e revelada em Recife, no Abril Pro Rock. Não é lá um disco que vá mudar os rumos do pop nacional, mas de qualquer forma ele se encontra muito bem inserido num contexto de transformações que a música veio sofrendo desde os Mutantes e a Tropicália. Baixo, guitarra, bateria, inteligência e vontade de inovar encontraram os recursos eletrônicos de estúdio do fim dos anos 90 na feitura desse disco, por uma banda que não só conhece como relê e incorpora as conquistas das gerações anteriores. (Muito) mal comparando, é como se o Vulgue estivesse continuando a trilha aberta pelos também cariocas Picassos Falsos, no sentido de que a brasilidade não é avessa à linguagem do rock e de que é possível fazer dançar, fazer pensar e despertar sentimentos, tudo num mesmo disco. Guiada pela guitarra rica em timbres e idéias de Jr Tostoi, as vozes e as letras inquietantes de Marcello H e o baixo chão de Victor Z, o disco se apoia numa dualidade orgânico/eletrônico (beats & blips em alta), engenhosamente montada em estúdio. Há uma herança do rock gótico dos anos 80 no contorno de pesadelo que assumem as canções Vozes e Mudo e a versão doentia, com chiado de vinil, da já meio batida Vapor Barato (Jards Macalé/Waly Salomão). Uma quebradeira controlada muda o clima nas dançantes Esparro, Deleta e Quebra-Cara (que é uma espécie de rap contaminado).

Impaciência (seria um contraponto à Paciência, de Lenine?) realmente não é um disco que se possa chamar de fácil. Mas também está longe do difícil, como poderão constatar aqueles que ouvirem a irônica Piercing? (que recorre - perigosamente, mas sem maiores danos - a um sax) e a quase pop Guri Zumbi, de versos engajados: "A cabeça condenada do guri/ enxergava o simples de não ver/ projetava na parede branca velha/ olhos mudos desbotados de guri zumbi." Traços de trovadores brasileiros dos anos 70, como Ednardo, podem ser detectados nas boas faixas Terrorismo Feliz ("E eu que queria um pouco de terra em baixo do sol... tive que morrer"), Impaciência ("Tudo se vende, nada se dignifica/ Me deixa sair...") e o meio baião Estronave. Sem deixar nada muito evidente em sua mensagem musical e poética, o Vulgue Tostoi caminha a passos largos para fazer uma bela carreira - é raro ver hoje em dia uma banda com tanta decisão já num disco de estréia.

(Silvio Essinger)